sexta-feira, 18 de julho de 2008

A encenação do presidente Lula

Ao chamar de mentiroso o Delegado Protógenes Queiroz, da Polícia Federal (PF), por ter difundido a história - verdadeira - de que foi removido do comando da Operação Satiagraha por uma decisão política, o presidente Lula representava seu papel numa farsa muito mal ensaiada por seus protagonistas. Obter o afastamento do delegado foi o único motivo da tensa reunião ocorrida na sede da superintendência da PF em São Paulo, segunda-feira à noite. Dela participaram, além do próprio Protógenes e de seus colaboradores mais próximos no caso, o superintendente regional e emissários da cúpula do órgão. Num esforço inútil para evitar que a sua saída fosse interpretada como um acerto para beneficiar o banqueiro Daniel Dantas - ou como precaução contra novas evidências do envolvimento de gente próxima do governo com o principal alvo da Satiagraha - fabricou-se a esfarrapada versão do desligamento "a pedido": o delegado precisaria concluir um curso de 30 dias, iniciado em março.

Deu tudo errado.

De pronto, ele resistiu ao arranjo, pedindo para continuar instruindo o inquérito, embora longe dos holofotes, pelo menos nos sábados e domingos, quando não teria aulas a freqüentar em Brasília. No relato da Polícia Federal, foi como se ele tivesse querido abandonar a investigação, ou dela se ocupar apenas nos fins de semana. "A sugestão não foi acatada, já que traria prejuízo às pessoas convidadas a prestar esclarecimentos", foi o máximo que uma nota da PF conseguiu tecer. Vencido, Protógenes não só contou a amigos o que se passara, mas ainda lhes disse que a gravação mostra como os fatos se passaram. Fingindo ignorá-los - e fazendo de conta que nada tinha a ver com o defenestramento -, Lula simulou uma repreensão a "esse cidadão", que "não pode, depois de fazer todas as coisas que tinham de ser feitas no processo, na hora de finalizar o relatório dizer ?eu vou embora fazer meu curso? e ainda dar vazão a insinuações de que foi tirado".

Na realidade, resolveu atirar no cidadão depois de ser alertado sobre os efeitos adversos, para o governo, de sua retirada abrupta. A advertência chegou tarde, depois que circulou pela mídia a versão de que o presidente, o ministro da Justiça, Tarso Genro, e o diretor-geral da PF, Luiz Fernando Corrêa - nem sempre pelos mesmos motivos -, queriam ver Protógenes pelas costas. Por isso, sob a suspeita de que ordenara uma operação-abafa para poupar Daniel Dantas, Lula tratou de se desvincular do problema, culpando o policial pelo que, afinal, lhe fizeram. Implicitamente, porém o bastante para os insiders entenderem, também alvejou Genro e Corrêa, porque não teriam sabido conduzir a fritura, sem respingos na imagem presidencial. É pouco provável que a descompostura tenha outro resultado além de evidenciar, pela enésima vez, que Lula jamais se afogará por ter cedido a alguém o último colete salva-vidas.

A esta altura, de fato, ele não tem como "desvazar" as gravações que lançam luz sobre o acesso ao Planalto dos interesses do banqueiro de quem Lula guarda profilático distanciamento. Companheiros históricos do presidente, como o advogado Luiz Eduardo Greenhalgh e, mais ainda, o seu chefe de gabinete, Gilberto Carvalho, foram flagrados cuidando, de uma forma ou de outra, das conveniências de Dantas. Também o nome da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, entrou no circuito, embora ela possa invocar ter dito certa vez a Greenhalgh que o seu cliente era "encrenca". Sintomaticamente, nenhum deles joga no time de Tarso Genro. Ao ministro se atribui, por exemplo, a intenção de se substituir à "mãe do PAC" como eventual candidato petista à sucessão de 2010. E o antagonismo entre ele e o ex-ministro José Dirceu - que quis aproximar Dantas de Lula - é escancarado.

O que leva a pensar que, se a equipe de Lula e a Polícia Federal têm algo em comum, é a onipresença de suas facções. Os críticos mais estrepitosos do desempenho de Protógenes são do grupo do diretor-geral Corrêa (que não o perdoa por tê-lo mantido no escuro sobre as gravações de petistas). Já os seus defensores se alinham com o antecessor de Corrêa e atual diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Paulo Lacerda. A decisão de Protógenes de envolver a Abin na investigação, aliás, polarizou a corporação e foi decisiva para a sua degola. Na hora da crise, as divisões se acentuam - e escapam ao controle da hierarquia.

Fonte: Estadão

Delegado diz que fita divulgada pela PF teve sentido "adulterado"

Protógenes Queiroz reafirma a interlocutores que a direção da Polícia Federal promoveu seu afastamento do caso Dantas

Para delegado, gravação compreende pouco mais de 1% do total de tempo do encontro e relata apenas o final da reunião em SP


O Delegado da Polícia Federal Protógenes Queiroz disse a amigos que a fita divulgada ontem pela direção geral da PF foi uma "adulteração" do conteúdo e da temperatura da reunião ocorrida na última segunda-feira na Superintendência da PF, em São Paulo.

Na reunião, conduzida pelo diretor de combate ao crime organizado da direção geral da PF, Roberto Troncon, foi definida a saída de Queiroz e de outros dois delegados do comando da Operação Satiagraha.

A interlocutores, Queiroz reafirmou ontem que a direção da PF promoveu o afastamento dele e dos delegados Karina Souza e Carlos Pellegrini. Ele disse a colegas que a fita compreende pouco mais de 1% do total de tempo do encontro, que começou às 14h15 e terminou por volta das 18h00.

O delegado relatou aos interlocutores que, para ele, a direção geral está "filtrando" as informações para "induzir a erro" o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Cobrado por colegas da PF sobre a fala de Lula que o citou como "sujeito" que deveria dar "explicações", o delegado respondeu que planeja fazer uma declaração pública hoje à imprensa, na sede da Superintendência de São Paulo.

A Folha apurou que desde anteontem Queiroz tem pedido a íntegra da fita da reunião ao gabinete do superintendente da PF em São Paulo, Leandro Coimbra, que também participou do encontro. Sem obter uma resposta, ele protocolou no início da tarde de ontem, no gabinete de Coimbra, o pedido de acesso à fita.

Ao mesmo tempo, o procurador da República que atua no caso, Rodrigo De Grandis, também requisitou uma cópia da fita à PF. Os procuradores querem saber se houve algum tipo de "obstrução à Justiça" com a saída dos principais investigadores do caso.

No começo da reunião da segunda-feira (14/07/2008), os Delegados da Satiagraha queriam também fazer suas próprias gravações, mas ficou acertado que a superintendência faria a gravação e cada participante receberia uma cópia, o que não havia ocorrido até ontem.

Fonte: Folha de São Paulo